Quando alguém começa uma dieta — especialmente uma com forte redução de carboidratos — é comum ver a balança despencar logo nos primeiros dias. Mas será que isso significa que o corpo já começou a queimar grandes quantidades de gordura? Nem sempre.
Grande parte dessa perda rápida vem de um elemento pouco comentado: o glicogênio.
O que é glicogênio e por que ele “pesa”
O glicogênio é a forma como nosso corpo armazena carboidratos para uso rápido de energia. Ele fica estocado principalmente nos músculos e no fígado.
O detalhe importante é que cada grama de glicogênio se liga a cerca de 3 a 4 gramas de água. Essa água não é “retenção” no sentido negativo, mas um componente natural do estoque energético.
Quando reduzimos o consumo de carboidratos, o corpo começa a usar esse glicogênio. Ao quebrar essas reservas, a água ligada a ele é liberada e eliminada. Resultado: uma queda rápida no peso, mas que pouco tem a ver com a queima de gordura.
Por que dietas low carb mostram resultado rápido na balança
Dietas muito baixas em carboidratos — ou protocolos como jejum prolongado e dietas muito restritivas em calorias (VLCD) — provocam uma rápida depleção de glicogênio. Com ele, vai embora também a água associada.
Estudos clássicos mostram que, em apenas quatro dias de dieta restritiva, mais da metade do peso perdido veio de glicogênio, água e proteína, e não de gordura corporal. Isso explica por que, após um “refeed” de carboidratos, a balança pode subir vários quilos de um dia para o outro: é o glicogênio e sua água voltando para o corpo.
O papel da bioimpedância no acompanhamento
A bioimpedância (BIA) é uma ferramenta popular para estimar composição corporal, medindo a resistência elétrica dos tecidos para calcular água corporal, massa magra e gordura.
Mas existe um ponto crítico: alterações rápidas na água corporal podem distorcer os resultados.
Em dietas de baixa ingestão de carboidratos ou períodos de jejum, a bioimpedância pode subestimar ou superestimar a quantidade de gordura e músculo. Isso acontece porque parte da “massa magra perdida” na leitura não é músculo de fato, mas água que estava ligada ao glicogênio.
Estudos comparando a BIA com métodos mais precisos confirmam: quando a perda de peso é muito rápida, a margem de erro aumenta bastante.
Perder peso rápido ≠ perder gordura
Embora ver a balança cair seja motivador, é fundamental entender que perda de peso não é sinônimo de perda de gordura. Nos primeiros dias de uma dieta restritiva, a maior parte da redução vem da água associada ao glicogênio — algo totalmente reversível.
A queima significativa de gordura costuma acontecer de forma mais lenta e consistente ao longo de semanas e meses.
Em resumo
- O glicogênio é armazenado junto com muita água — e isso impacta o peso.
- Cortar carboidratos reduz rapidamente esse estoque, causando uma perda de peso inicial.
- Essa queda não significa necessariamente que a gordura corporal diminuiu.
- Bioimpedância pode errar na leitura durante mudanças rápidas de dieta.
- O foco deve estar no progresso a médio e longo prazo, não apenas no número da balança.
Referências científicas:
- Olsson KE, Saltin B. Variation in total body water with muscle glycogen changes in man. Acta Physiol Scand. 1970;80(1):11-18.
- Kreitzman SN, Coxon AY, Szaz KF. Glycogen storage: illusions of easy weight loss, excessive weight regain, and distortions in estimates of body composition. Am J Clin Nutr. 1992;56(1 Suppl):292S-293S.
- De Lorenzo A, et al. Body composition measurement in highly trained male athletes: a comparison of three methods. Eur J Appl Physiol. 2000;82:256–264.
Por Dr. Carlos Eduardo V. Seda
Médico do Esporte e Exercício