Nos últimos anos, uma técnica de respiração ganhou destaque por um motivo simples: funciona depressa, cabe em qualquer rotina e não custa nada. É o suspiro fisiológico — duas inspirações pelo nariz seguidas de uma única expiração longa pela boca (ou nariz). Pesquisadores da Stanford Medicine conduziram um ensaio clínico controlado mostrando que praticar esse padrão por 5 minutos diários melhora o humor e reduz marcadores fisiológicos de estresse, superando inclusive o efeito de uma prática breve de mindfulness. Em vez de “reinventar a roda”, o estudo evidenciou de forma comparativa algo que a fisiologia já insinuava: alongar a expiração muda rapidamente o estado do corpo e da mente.
O que é, exatamente, o suspiro fisiológico?
O suspiro fisiológico é um padrão de respiração espontâneo que nosso corpo usa, inclusive durante o sono, para “recalibrar” a ventilação dos pulmões. Voluntariamente, ele é executado assim: uma inspiração profunda, uma segunda inspiração curtinha para “completar” os pulmões, e uma expiração longa e completa. Esse arranjo favorece a reinflação dos alvéolos e, sobretudo, prolonga a fase expiratória, que é quando o sistema nervoso parassimpático tende a predominar — reduzindo a frequência cardíaca e a excitação fisiológica.
Como a equipe da Stanford testou a técnica
O trabalho (Yilmaz Balban, Huberman, Spiegel e col., 2023) comparou quatro intervenções de 5 minutos/dia por 28 dias:
- suspiro fisiológico (cyclic sighing), com ênfase na expiração;
- box breathing, com tempos iguais de inspirar–segurar–expirar–segurar;
- hiperventilação cíclica com retenção;
- mindfulness (atenção passiva à respiração) como controle ativo.
Foram recrutados pouco mais de cem voluntários em um desenho randomizado e remoto. Além de escalas diárias de afeto positivo/negativo e ansiedade de estado, os participantes usaram um wearable (WHOOP) para registrar frequência respiratória, cardíaca e variáveis de sono. A adesão foi alta, os vídeos-guia eram fáceis de seguir, e todas as intervenções melhoraram humor e ansiedade no dia a dia — mas a respiração guiada superou o mindfulness, e o suspiro fisiológico foi o destaque: produziu o maior ganho diário de afeto positivo e a maior redução da frequência respiratória ao longo do mês. Não houve diferença robusta em HRV entre condições.
Em nota de divulgação da própria Stanford, os autores enfatizaram que 111 voluntários praticaram as técnicas por um mês e que o suspiro fisiológico “venceu” as outras rotinas quando o objetivo era acalmar rápido.
Por que isso importa
Do ponto de vista mecanístico, inspirar acelera discretamente o coração; expirar desacelera — fenômeno conhecido como arritmia sinusal respiratória. Quando alongamos a expiração, amplificamos o “freio vagal”, sinalizando ao eixo coração-pulmões-tronco encefálico que “está tudo bem”. Resultado prático: menos agitação, mais clareza. O estudo da Stanford capturou isso tanto nos relatos de afeto/ansiedade quanto na queda sustentada da frequência respiratória em quem praticou suspiro fisiológico diariamente.
Outro ganho é psicológico: ao agir sobre algo tão acessível quanto a respiração, as pessoas recuperam senso de controle sobre o próprio estado interno — um antídoto rápido contra a espiral de preocupação e hipervigilância.
Como aplicar no dia a dia (é mais fácil do que parece)
Você precisa de 5 minutos, mas pode colher benefícios até em 1–3 ciclos nos momentos de pico de estresse.
- Postura confortável. Sente-se ou deite-se com a coluna neutra.
- Ciclo básico (1 repetição):
- Inspire pelo nariz até encher os pulmões.
- Inspire de novo (um “top-up” curto) para completar a expansão torácica.
- Solte o ar devagar, de forma contínua, até esvaziar — idealmente pela boca; se preferir, pelo nariz.
- Ritmo: sem contagens rígidas; priorize que a expiração dure mais do que a soma das duas inspirações.
- Sessão completa: repita o ciclo por 5 minutos. Se sentir leve tontura, faça uma pausa e retome mais devagar.
- Micro-doses úteis: antes de reuniões difíceis, após notificações estressantes, no trânsito, entre blocos de foco ou antes de dormir.
E para atletas?
Atletas vivem de modular estados fisiológicos: elevar a excitação na largada, reduzi-la na recuperação entre séries, domar a ansiedade pré-prova e voltar à linha de base após erros. Técnicas de respiração são ferramentas clássicas na psicologia do esporte para regular arousal e favorecer a recuperação psicofisiológica — junto de pilares como sono, nutrição e hidratação. Embora o estudo da Stanford não tenha medido desempenho esportivo, seus achados (mais calma subjetiva e menor frequência respiratória de repouso com prática diária) são perfeitamente alinhados com o que atletas buscam entre esforços: recuperar mais rápido, clarear a cabeça e manter a técnica. Em contextos de alta pressão, um ou dois ciclos de suspiro fisiológico podem reduzir a tensão muscular e ajustar a atenção, criando uma janela de melhor tomada de decisão.
Aplicações práticas no esporte:
- Entre séries (ex.: musculação, sprints, natação): 1–3 ciclos para baixar a frequência respiratória e a sensação de “sufoco” antes da próxima repetição.
- Pré-execução (pênalti, saque, saída de bloco): 1 ciclo para estabilizar as mãos e reduzir tremor.
- Pós-competição: 2–5 minutos para acelerar a volta ao tônus basal e facilitar rotinas de recuperação (nutrição, alongamento).
Nota da sociedade científica: ainda faltam ensaios que testem diretamente desempenho com o suspiro fisiológico em populações de atletas. A evidência atual suporta regulação de estresse e humor, não um “boost” de performance em si.
Dúvidas comuns e limites
- É seguro? Para a maioria das pessoas saudáveis, sim. Se você tem condições respiratórias/cardiovasculares ou histórico de tonturas, comece devagar e converse com um profissional. (O estudo foi feito em adultos sem doenças graves e não é uma terapia médica.)
- Funciona melhor que mindfulness? No protocolo curto (5 min/dia por 28 dias), sim — especialmente o suspiro fisiológico. Em práticas mais longas, o mindfulness tem outros benefícios bem estabelecidos; os enfoques podem se complementar.
- Quanto tempo leva para sentir efeito? Muitas pessoas percebem alívio imediato ao final de alguns ciclos e ganhos cumulativos com a prática diária.
Conclusão
O suspiro fisiológico é um botão de reset ao alcance de todos: dois suspiros para encher, um longo para esvaziar. A ciência de Stanford mostrou que dedicar 5 minutos por dia a esse padrão melhora humor e reduz a agitação fisiológica melhor do que uma breve prática de mindfulness — e que os efeitos se somam ao longo do tempo. Para quem vive sob pressão (de pais a profissionais e atletas), é uma ferramenta prática, portátil e poderosa para navegar o estresse cotidiano.
Referências e fontes
- Yilmaz Balban M, et al. Brief structured respiration practices enhance mood and reduce physiological arousal. Cell Reports Medicine. 2023. Acesso aberto (PMC9873947). PMC
- Stanford Medicine – “Cyclic sighing can help breathe away anxiety.” (matéria explicativa). Stanford Medicine
- Stanford Medicine Magazine – “Breathing anxiety away: A few minutes of sighing can relax you quickly.” (resumo do estudo; 111 voluntários; 5 min/dia por 1 mês). Stanford Medicine Magazine
- PubMed – Registro do artigo (PMID: 36630953). PubMed
- Revisões e contexto sobre respiração e estresse no esporte/recuperação:
- GSSI Sports Science Exchange – Recovery techniques for athletes (contexto de recuperação). gssiweb.org
- ACC – Psychophysiological Impact of Mental Health in Athletes (estresse e desempenho).
Dr. Carlos Eduardo Seda
Médico do Esporte e do Exercício, Nutrólogo, Gastroenterologista.